terça-feira, 29 de março de 2016

Epicamente


Quem me conhece há algum tempo sabe do meu gosto desmesurado pela leitura. Adoro ler, mas também não é nenhuma mentira nenhuma que também gosto de escrever - afinal, tenho um blog onde espalho, aqui e ali, um episódio diário, uma trenguice qualquer, ou um pensamento mais ou menos sério - e posso dizer que conheço relativamente bem o mercado livreiro e editorial (e do qual já falei do assunto aqui).

Há uns dias, enquanto estava a estudar, tinha a tv ligada e estava a ser transmitida uma novela que está agora a ser repetida. Apanhei, "no barulho das luzes", a seguinte cena:
- Indivíduo 1: Se calar, devia fazer como "Não Sei das Quantas" e despedir-me. Assim tinha mais tempo para escrever.
- Indivíduo 2: E depois como arranjavas dinheiro para pagar à editora para publicar os teus livros?

Assinar com uma editora é algo comparável que fazer um pacto com Belzebu. O autor cria a obra e cede o direito de edição e publicação, a troco de um género de royalties sempre que um exemplar, físico ou digital, depende dos pactos, vulgo, contratos, seja vendido. É certo que a editora "toma para si" os custos e riscos de publicação, mas também é certo que só investem naquilo que sabem que lhes vai dar lucro. Se acham que as editoras existem apenas para prosseguir o nobre interesse cultural, esqueçam. Como empresas que são, acima do intuito cultural, está o económico. Ainda assim, com as editoras sabemos com o que contar. Se é para fazer um pacto, que seja com o Boss dos sete círculos do inferno e não com um diabrete saltitão que por ali anda - diabretes mais conhecidos como plataformas/editoras de auto-publicação, vulgo, impressoras com um nome chique, das quais a mais conhecida é, provavelmente, a Chiado. Nunca procurei saber como essas empresas funcionam, pois não tenho grande referência de uma editora que, essencialmente, cobra aos autores para os publicar, independentemente da qualidade (da obra, e dos seus serviços de edição, paginação, et cetera...).


E eis senão quando... descobri que a Saída de Emergência decidiu que o seu nome não estava suficientemente na lama e criou a Editora Épica. Fui ao site deles e li todas as informações que aí disponibilizam e ainda o "Manual de Publicação para Escritores" (que, contrariamente ao que fazem crer, pode ser descarregado sem que seja preenchido o formulário disponibilizado, que só está ali para enganar o pessoal e fazer com que as vossas informações façam parte de uma base de dados de possíveis clientes deles, vulgo, autores editados por eles).

É simplesmente revoltante. No essencial, a Editora Épica oferece os seus serviços em forma de packs, que consistem na criação de exemplares físicos e/ou digitais, dependendo dos pack(tos), até 250 páginas (mais do que isso... só com orçamento), e ainda alguns serviços de markting (no caso das opções mais caras), sempre a preços exorbitantes. Os serviços de edição e revisão de texto sobejamente apregoados são... opcionais e passíveis de orçamento, ou seja, não se encontram incluídos nos referidos preços exorbitantes. Capas personalizadas - era para rir ou também se paga à parte?!

Apesar dos serviços de impressora (que é isso que realmente são), nem todas as obras são publicadas, só aquelas que passarem no crivo da empresa. Em caso positivo, por cada exemplar vendido, a editora/super impressora oferece aos autores 15% do preço de capa. Mas isso é antes ou depois de o autor pagar para ser publicado? Por essa margem, vou ali às 294 reprografias à volta da universidade, aproveito e faço uns cartões também, ou publico em formato digital, ainda que a preços substancialmente mais baixos, e saí-me mais barato.

Mas calma lá! "Se o seu livro autopublicado na Editora Épica vender mais de 1.000 exemplares nas livrarias, está de parabéns, é sinal que encontrou o seu público. Como tal, vai receber uma prenda imediata: o seu manuscrito beneficiará de uma revisão e edição de texto profissional (sem qualquer custo para si), e será relançado pela casa mãe, a editora Saída de Emergência, com nova capa e ao lado de alguns dos maiores bestsellers do mundo." (sublinhado nosso). Depois do autor e a sua obra serem conhecidos, para o que esta empresa pouco ou nada contribuiu, já estão muito interessados em assinar um pacto, vulgo, contrato, muito profissional, onde vão tirar, duplamente, partido do esforço alheio.

E só uma nota jurídica, que disso, eu realmente sei qualquer coisinha: a editora não oferece direitos nenhuns. Oferece parte do preço recebido pela venda de um exemplar, tipo royalties. Mais, nenhuma editora fica/é proprietário de todos os direitos do autor sobre a obra nem, caso o autor queira editar com outra empresa, tem que comprar os seus direitos de novo. O contrato em causa trata apenas de direitos de edição e publicação. São direitos meramente patrimoniais, visto que os pessoais nunca deixam a esfera do autor, mesmo depois da sua morte e da queda da obra no domínio público. E os contratos têm prazo. Podem ser renovados ou simplesmente terminar, caso em que o autor poderá, livremente, editar com outra empresa. Vale tudo, portanto.

Para quem não quer esperar... é um mau negócio, no mínimo. Aliciar possíveis clientes deles, vulgo, autores editados, com as 12 editoras que recusaram a publicação de Harry Potter de J.K Rowling, ou com as "auto-publicações" de autores de um século em que as fotografias a cores eram ficção científica (os outros estão apenas a preto e branco para não se notar a diferença de épocas), é moralmente reprovável, para não dizer mais. A vontade desmesurada de se ser editado não me é desconhecida, mas a aceito a qualquer custo. É verdade que há muito talento por aí desperdiçado, e a auto-publicação não é uma alternativa da qual não sou contra, mas isso não justifica consentir em ser-se deslumbrado e enganado. Os "Sims" e os "Nãos" existem como tudo na vida. Não desistam e trabalhem para melhorar todos os dias. Valorizem-se, a vocês e às vossas obras.

7 comentários:

  1. Detesto esta maneira de agir por parte de algumas editoras, detesto a Chiado e detesto a Saída de Emergência. Acho que esta última (e falo apenas como consumidora do mercado livreiro) faz edições feias, pouco apelativas, diria até que pindéricas. Da Chiado já nem falo porque já falei no blogue.

    Isto das auto-edições parece-me um tiro no pé. Um livro bom numa má editora, numa editora de má fama pode ficar seriamente prejudicado e ver-se arrastado na lama. Poderá ficar sempre assim ou poderá, eventualmente, ter a sorte de ser "descoberto" e recolocado no lugar onde deve estar. Mas acredito que alguns livros bons tenham ficado perdidos neste circuito medíocre. Se um dia tiver talento para escrever a sério, espero saber deixar o livro na gaveta, se assim tiver de ser, em vez de lançá-lo para um mundo onde não sei realmente se quero que ele esteja...

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  2. A amazon tem o Direct Publishing que é basicamente isso sem passar pelas editoras...

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  3. As editoras são um bom negócio... para eles e para quem os lê. Definitivamente, não o são para quem publica livros.

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  4. É um mundo de intrujice onde o trabalho físico e intelectual é explorado por gente sem vergonha, com o beneplácito da justiça que, é a que temos...

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  5. "Se o seu livro autopublicado na Editora Épica vender mais de 1.000 exemplares nas livrarias (...) o seu manuscrito beneficiará de uma revisão e edição de texto profissional (sem qualquer custo para si), e será relançado pela casa mãe, a editora Saída de Emergência, com nova capa" - oh meu deus, a sério? --' Sem comentários...
    Concordo com asminhasquixotadas no que respeita às auto-publicações, acho mesmo que são um tiro no pé e algo, até, um bocado "desesperado", algo que as pessoas parecem fazer apenas para poderem dizer que têm um livro publicado. Nunca na vida me meterei nisso. Detesto esse tipo de negócio de ter que pagar para que um livro seja publicado, daí detestar a Chiado. Essa editora é uma fantochada, publica tudo o que lhe aparece à frente desde que a pessoa pague, mesmo que o livro seja uma treta e precise de uma revisão (parece que nem se dão ao trabalho de rever os textos, segundo uma crítica que já li a um livro que publicaram). Enfim... Se for para publicar, que seja algo "em grande", com uma boa editora e sem custos (ou com poucos custos, vá...). Pelo menos é isso que espero para mim...

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  6. Infelizmente este mundo das editoras e afins é cruel para quem quer ser escritor...

    Gostei do teu cantinho e já vi que tens bom gosto musical :)

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  7. Interessante. Mas sempre imaginei essas novas editoras assim, como oportunistas. Acho que até outras, qualquer uma, pode fazer as coisas de modo a que a prioridade seja se beneficiar de rendimentos. O resto é conversa.

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