quarta-feira, 18 de junho de 2014

Irmãos

"Só se percebe verdadeiramente a importância das coisas ou das pessoas quando as perdemos. Quando as consideramos tão garantidas como o ar que respiramos, nem pensamos no seu valor. Não fazemos contas, assim como um milionário não faz contas para ir à mercearia nem sabe as oscilações do preço da bica. Com os irmãos é assim que as coisas funcionam. E é por isso que funcionam tão bem.

Nós não sabemos quanto vale um irmão. Nem pensamos nisso. Pensamos todos os dias no valor incomensurável dos filhos e dos pais, sabemos o quanto vale cada amigo, mas não contabilizamos os irmãos. É diferente com eles. É diferente porque os irmãos são de graça. Eles caem-nos ao colo sem planeamento, sem poder de escolha, sem pensarmos nisso. Também é diferente porque nós crescemos com eles e crescemos juntos em tudo. Começamos desde pequeninos a lutar, a brincar, a discutir, a partilhar a casa de banho, o quarto, as meias, os jogos, os pais e os outros irmãos. Eles crescem a meias connosco e por isso acabam por ficar mais ou menos nós.

E é por isso que os irmãos nos conhecem melhor que os nossos pais ou amigos. Conhecem-nos os tiques, as fraquezas, os gostos e as sensibilidades; sabem o que quer dizer cada expressão nossa, aquilo que nos faz chorar e os limites da nossa tolerância. Também sabem que podem ultrapassar todos esses limites porque nada acontece, porque não há divórcios de irmãos. Os irmãos não prometem amar-se na saúde e na doença até que a morte os separe. Não precisam: quer prometam quer não, quer queiram quer não, é mesmo assim que vão viver.

Em todas as outras relações é preciso tempo. É preciso guardar tempo e ter tempo para estreitar laços, criar cumplicidades, ganhar confiança ou aprofundar as relações. Mas os irmãos não precisam de tempo. Nós gostamos dos nossos irmãos o mesmo que sempre gostámos apesar do tempo. Nem mais nem menos um bocadinho que seja. Podemos passar anos sem nos falar que não é por isso que as cumplicidades, os laços, a confiança (muita ou pouca) se esvanece. Os irmãos são imunes ao tempo, à distância ou às zangas e isso torna-os à prova de tudo.

Com os irmãos, ao contrário do que acontece com todas as outras pessoas, também não precisamos de falar: basta estar. Se falarmos e rirmos uns com os outros, melhor, é uma espécie de bónus; se discutirmos, melhor ainda: quer dizer que podemos, quer dizer que somos tão irmãos que até podemos discutir violentamente e continuar a ser irmãos. Até ao fim.

Eu tenho a suprema sorte de ter oito irmãos. Ter oito irmãos quer dizer ter oito melhores amigos, quer dizer ter oito pessoas que se atiravam a um poço para me salvar (espero...) e oito pessoas a gostar incondicionalmente de mim ao mesmo tempo. Já perdi dois deles, o mais velho e o mais novo. Perdi-os numa idade em que não se perdem irmãos e eles morreram estupidamente numa idade em que não é suposto morrer. Não foi quando eles partiram que eu tive consciência do valor de cada um deles, mas foi quando eles morreram que eu percebi que esse valor é incomensurável, que quando morre um irmão morre um bocadinho de nós. Percebi que há uma parte de nós que é só deles e essa parte desaparece com eles.

Sei perfeitamente que o melhor presente que dei aos meus filhos foi cinco irmãos a cada um, mas também sei que eles ainda não fazem ideia do valor de cada irmão. Por enquanto discutem mais do que aquilo que brincam, dividem mais do que aquilo que partilham e desconfio que teriam escolhido um cão e uma viagem à Eurodisney a um bebé novo, caso eu lhes tivesse dado a escolher. Mas os silêncios entre eles são cada vez mais frequentes e os silêncios entre irmãos são tudo.

O Dia dos Irmãos, que a Associação das Família Numerosas propôs que se passe a comemorar no próximo ano, é para celebrar tudo isto e é necessário comemorar tudo isto. Não é que os irmãos precisem de um dia, porque não precisam, é apenas por o merecerem. Os meus, pelo menos, mereciam um dia para cada um."


Eu não tenho irmãos. Tenho amigos que ocupam esse lugar no meu coração, mas nunca vou entender ou sentir o que é ter um de verdade. Teria sido uma pessoa totalmente diferente, mas há coisas nas quais não mandamos, por mais que tentemos: não sou simplesmente uma "filha única", sou uma pessoa sem irmãos. Há algures um vazio que nunca poderá ser preenchido, apesar dos "irmãos e irmãs" que fui encontrando pelo caminho.

A maioria de vocês, suponho, deve rever-se neste texto. Quase que adivinho que sorriram, deram uma ou outra gargalhada ao lembrar uma peripécia engraçada, ficaram com saudades dos vossos irmãos. Podem já ter passado bons e maus bocados com eles, mas acredito que nem conseguem imaginar a vossa sem eles. Eu não, porque realmente não sei quanto vale um irmão. Por isso, aproveitem os vossos irmãos =)


5 comentários:

  1. Eu também tive 7 irmãos e não me revi nem um bocadinho neste texto. Éramos 8, comigo, filhos de 3 mães diferentes e com diferenças de idade que me faziam ter vergonha de tratar alguns deles por tu. Para complicar mais as relações, eu fui o filho mais novo da última mãe, a única que não era da terra e, por isso, tida como uma intrusa que ia receber a herança que as outras duas, já falecidas, nunca receberiam. Eu nasci quando o meu pai tinha 47 anos e a minha mãe 40 e cresci com a sensação de que era mais um "descuido" do que um filho. Como o mais novo, fui criado quase sempre sozinho e os meus irmãos, mais do que irmãos, eram os pais dos sobrinhos mais velhos com quem também não brincava, por serem mais velhos.
    Da minha mãe era só eu e uma irmã, 5 anos mais velha. Os tempos eram difíceis e quando eu entrei para a escola, já ela tinha saído para trabalhar. O pouco tempo de convívio, era passado à pancada. Ainda hoje não nos damos bem. Ela mora a 300 metros de mim e só nos vemos quando nos encontramos.
    Não sei se hei de ter pena de ter esta relação com os meus irmãos, porque nunca tive outra diferente.
    Costumo dizer que fui o filho único entre os outros 7 irmãos. :\

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  2. Eu só tenho um e com seis anos de diferença, gostava que tivesse sido mais próximo...

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  3. JS - Como disse, a maioria deveria rever-se nesse texto. Infelizmente há deste tipo de excepções. Entendo o que queres dizer... nem tudo é linear como por vezes pensamos (queremos pensar). No teu caso, a final nem foste muito diferente de mim, mas penso que deverias tentar aproximar-te da tua irmã. Bem sei que quem está de fora fala bem, mas se eu tivesse a oportunidade de ter um irmão, não a deixaria escapar.

    Opinante - Por vezes as diferenças podem ser um problemas...

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  4. Enganas-te. Ainda há poucos meses li algures sobre isso de se ter bons irmãos e os comentários que se seguiram foram de vários exemplos opostos. O IDEAL de um irmão é muito bonito. Mas nem sempre acontece como o texto tão idilicamente descreve. Por vezes os irmãos são maus é quase como ter o pior inimigo a dividir o mesmo tecto.

    Eu sinto a mesma carência que tu e senti-a por muitos e muitos anos. Sofrendo inclusive. Não o entendi sempre, só mais tarde. Muito mais tarde. Mas eu não sou filha única nem nunca quis ser. Contudo o filho que se seguiu desejava ser único. Esse outro invejava-me, fazia-me coisas más, era individualista, invejoso, intriguista, egoísta e me afastava com desprezo. A minha alma ainda se sente carente pelo irmão que um dia julguei vir a ter e que amei muito, mas não me amou de volta.

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  5. Boboquinha - Acredito que a minha visão idílica é provocada pela falta que sempre senti em ter irmãos, e por isso só vejo as coisas boas de tal condição... Espero que consigas ultrapassar essa "falta".

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