domingo, 20 de novembro de 2011

A mística do prefácio e a ignorânica das novas gerações

Hoje, quando vinha no comboio para Braga, encontrei um família bastante engraçadita... Enquanto esperava que o gigante de ferro arrancasse de Viana com destino a Nine, reparava, não com muita atenção, numa senhora com os dois filhos, uma rapariga de 14 anos, e um rapazito com cerca de 8 anos.

A adolescente tinha um livro. Pelo que estive agora mesmo a pesquisar na net, O Velho e o Mar de Ernest Hemingway faz parte da leitura obrigatória de um qualquer manual do 9.º ano de Língua Portuguesa. Mal ela abriu o livro, a primeira pérola maravilhosa da viagem: "Oh mãe, aqui tem um prefácio... O que é isso?!". Eu fiquei a olhar para a miúda, com cara de ursa, simplesmente. A mãe tentou explicar-lhe que aquilo era um género de introdução, mas ela não entendia. Algumas frases depois, que eu não consegui ouvir direito, ela responde "Já podias ter dito o que era... Eu não estou a estudar Chinês, estou a estudar Português".
 
Primeira observação: a língua Chinesa não existe. Na China falam-se três línguas: Mandarim (maioritária), Cantonês e uma outra que eu não conheço. Não se fala Chinês. Segunda observação: oh c*railho, tu tens 14 anos e não sabes o que é um prefácio? O que se seguiu na conversa entre mãe e filha dá resposta a esta pergunta: "Eu nunca tinha visto um livro com prefácio...", "Oh filha, há muito livros assim. Quando chegarmos a casa eu mostro-te... Mas também, tu pouco lês...", "Oh mãe, eu já li três livros!!".

Convém informar os leitores que este "três livros" foi dito com tal enfatização, que por momentos cheguei a convencer-me que era um feito fantástico. Não parvalhona, não é! Teres lido só três livros na tua medíocre vida, é um número de m*rda! Com a tua idade, já tinha perdido conta aos livros que tinha lido, e não eram tretinhas em meia dúzia de páginas, já lia livros a sério, literatura, não revistinhas cor-de-rosa.

De qualquer maneira, não me admira que o nível de conhecimento da pirralhita seja tão baixo, porque mal leu duas linhas do livro, guardou-o logo e pôs nas orelhas uns headphones daqueles todos XPTO, que estão à venda na Fnac por 40 euros, ou coisa que o valha. Para isso tem ela dinheiro. Para investir em cultura já não. Mas também não é assim tão estranho, visto que o puto pediu logo à mãe a PSP. Contudo, a miúda cansou-se logo de ouvir música e foi a dormir quase a viagem toda, com a cabeça pousada em três sacas de compras: uma da Modalfa (roupa), outra da Stradivarius (mais roupa) e uma última da Book.it (que com certeza não tinha livros, porque o seu conteúdo era demasiado fofo para isso).

Quanto ao rapazito, a coisa não foi muito melhor. Para além de nunca parar quieto, estar sempre a falar e a tirar-me do sério, o que não é fácil, pelo menos ao que toca à criançada, tinha expressões bem engraçadas, como "raios parta" tudo e mais alguma coisa, "filho da pu*ah" e "c*railho". Penso que estes preciosismos de linguagem devem ser bem comuns para ele, porque dizia-os com um à-vontade estupidamente incrível, e para além disso, a mãe nada lhe dizia. Foi esta mesma mãe que, quando estávamos em Barcelos, se não me engano, lhe cortou as unhas no comboio.

E depois admiram-se quando a miudagem é extremamente rude e mal-educada. Isso, e totalmente sem cultura alguma. Mas a culpa não é só deles: é, acima de tudo, dos paizinhos que eles têm. Tudo bem que os meus nunca me instigaram assim tanto à leitura, todavia, quando perceberam do meu gosto pelos livros, sempre que podiam davam-me mais um. Porém, nunca fizeram o oposto. Eu cresci como muita gente da minha idade: tinha pouco e era com pouco que me tinha que contentar. Sempre houveram pessoas com ainda menos que eu, mas tinha a noção do que poderia ter ou pedir. Este putos de hoje em dia têm tudo e mais alguma coisa, os paizinhos sedem a todas as suas birrinhas, e depois acabam por se tornarem cidadãos sem o mínimo de cultura ou de moral.

Juro que não percebo estas novas gerações. Ao lado deles, sinto-me uma anciã. E eu nem sou assim tão mais velha que eles. Juro ainda que, quando tiver filhos, eles não vão ser assim, que eu não deixo! Que eles vão ter mãezinha que os eduque, e que lhes ensine coisas que valem a pena. Vão ser os maiores da aldeia deles.

5 comentários:

  1. Eu com 14 anos, já tinha lido uma carrada deles... E ainda não li mais porque literatura em Portugal sai caro e INFELIZMENTE não posso/consigo comprar um livro todos os meses...

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  2. Era umas valentes palmadas quando eram pequeninos e não mimá-los tanto que aprendiam logo

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  3. Corina - Pois sai caro sai... O que é mesmo uma grande pena =/

    Heartless - Bem dito! Também acho

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  4. Já li muito, quando tinha essa idade (14/16 anos), chegava a ler um livro por dia nas férias grandes. Curiosamente foi quando fui para a Universidade que comecei a colocar a leitura de lado. Hoje depois dos 30, tentei voltar Às leituras e neste momento tenho um livro do Jose Rodrigues dos Santos para acabar deste as tardes de verão na praia...

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  5. XL - Quando vim para a universidade também deixei de ler, ou pelo menos de ler tanto, que agora é quase só calhamaços... Quando acabar a licenciatura (ou o mestrado), vou ler até cair para o lado... ou não ter mais dinheiro para comprar livros.

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